sábado, 27 de julho de 2019

CARTA PARA PAIS EM DESESPERO

Por Rafael F. Vianna
27/07/2019


Há pouco mais de 01 ano, mais precisamente a partir do dia 06/06/2018, um buraco foi aberto no mundo. E este abismo não parou de crescer durante dias, semanas, meses. Ele engolia tudo, levou todas as minhas esperanças, fez-me vislumbrar um fim triste, lento e muito doloroso. Por meses a dor inconcebível e inexprimível foi minha mais fiel companheira. Naqueles dias, nem Paracletus podia me consolar. 
Em apenas um dia, minha mulher estava na UTI de um hospital e meu primeiro filho na UTI neonatal de outro. Meus dias eram horas sem fim de choro, lamento e uma dor lancinante no meio do peito. Caminhar ao ar livre entre um hospital e outro ajudava-me a respirar, ainda que o ar fique muito denso e rarefeito nesses momentos. O buraco no mundo continuava a crescer por dias sucessivos e engolia toda a esperança. Três paradas cardiorrespiratórias, hemorragia pulmonar, hemorragia cerebral, hemorragias e mais hemorragias, transfusões e mais transfusões, “intercorrên.....” (recuso-me a escrever ou pronunciar essa palavra ainda) sem fim.

Em uma noite de domingo chegou a triste notícia de que deveria me despedir do meu pequeno tesouro. Naquele mesmo dia, minha esposa, que ainda não tinha conhecido nosso filho, voltava para a UTI devido à maldita hellp síndrome. Restava apenas uma certeza em meu mundo, uma certeza lógica, racional, inabalável, mesmo diante da tragédia: o que um dia existiu, nunca mais volta ao nada; o que um dia foi, nunca mais deixa de ser; A FOLHA QUE O VENTO BALANÇOU, NÃO DESBALANÇA MAIS.

Meu filho Gregório, o Grande, mesmo com seus 900 gramas, tinha existido, saído do nada que nos precede, do infinito sem início nem fim, tinha vivido, existido em minha vida, era MEU FILHO. Nem a morte tiraria isso de mim. Ele existiu, foi, e nunca mais poderia deixar de existir. Mesmo assim, doía muito a saudade de tudo que poderia ter sido.

Mas o fim não foi naquela noite. E de grama em grama, 05 gramas a mais, 08 a menos, 09 a mais.... fomos seguindo nossa rotina. Dia após dia, em todos os horários, em todos os momentos. Ele saberia que estivemos sempre ali, o amando profundamente, não importando quantas respirações ainda tivesse.

Hoje, 01 ano depois, os 900 gramas são 10 quilos, o “ele nunca vai falar” são gritos e angus pela casa de madrugada, o “ele nunca vai andar” são os primeiros passos que acabam com nossas costas, o “ele nunca vai interagir com vocês” é o sorriso mais doce e iluminado do mundo quando nos vê; a despedida é um reencontro a cada manhã.

O abismo se fechou tão misteriosamente como se abriu. E agora, novamente, desafiamos a morte e o medo com uma irmãzinha a caminho para ombrear com o Gregório nesta vida aparentemente sem sentido transcendente; mas com um valor imanente incontestável.

Não encontramos respostas sobre como enfrentar esses momentos difíceis, como sobreviver, como continuar quando as forças parecem rarear. Não teria muito a falar para pais que hoje lutam pela vida de seus pequenos.

Para aqueles que acreditam em Deus, eu diria para orarem, rezarem, manterem a fé, persistirem, mesmo diante de tanta adversidade. Para aqueles que duvidam ou acreditam que Deus virou as costas para o mundo com o pecado original, eu diria que Ele ou alguém escreveu leis naturais, biológicas, físicas e químicas incríveis antes de abandonar a humanidade à sua própria sorte, fazendo com que a vida seja maior que a morte.

A VIDA, definitivamente, é UM MILAGRE!

O AMOR, apesar de toda desesperança e ceticismo, é uma força viva e real no mundo.

Um sorriso e um piscar de olhos nos fazem deixar para trás todo o medo e sofrimento que viver pode ocasionar. Acordar com um sorriso banguela, puro e ingênuo nos faz bem-dizer e abençoar todas as manhãs aqueles que salvaram nosso filho.

BENDITOS e ABENÇOADOS sejam aqueles que salvam vidas, principalmente dos nossos pequenos inocentes. QUEM SALVA UMA VIDA, SALVA TODA A HUMANIDADE.

Se não tivéssemos sobrevivido? Conhecer este AMOR inexplicável e incondicional que surge quando somos pais, nem que por alguns minutos, dias ou semanas, faz com que a experiência humana valha a pena. Para aqueles que hoje lutam, que possam lembrar que a VIDA é maior do que a morte, QUE O AMOR SUPERA TUDO e que a FOLHA QUE O VENTO BALANÇOU NÃO TEM COMO DESBALANÇAR.
Obs.: Desejo que todos aqueles que leiam este texto um dia, se puderem, abracem seus pais e seus filhos.