terça-feira, 29 de outubro de 2013

A IDEIA DE TOTALIDADE


Pode-se fazer arte para o comércio? Pode-se escrever para agradar ou ser compreendido? Arte só existe como arte, nada mais. Quem escreve, escreve. É só. Tudo que se preocupa com a receptividade do público comercial e ávido do nada torna-se patético. Aliás, nada mais patético do que a natureza humana, com o perdão do pleonasmo imperfeito.

É necessário superar a si mesmo, ser capaz de ser inimigo de si, atacar sem falsa compaixão ou receio. Totalidade na arte e na escrita é a vontade indizível e indescritível de se saber decadente, incapaz, incompreendido, ser vivente do caos absoluto e incoercível.

A necessidade do comércio, do consumo e da compreensão nos retira a possibilidade de colocar ordem no caos. O cumprimento de agendas contemporâneas nos impede a discussão da ideia de totalidade, nos torna decadentes em um mundo de efeitos e impactos, nos transforma em humanos vendidos e idólatras. Se tirarmos o efeito do mundo, não sobra nada. Se tirarmos o trabalho de nossas vidas, não temos nada. Sou um vazio completo em que a parte impede o todo, em que o mercado impede a alma.

O que faríamos com o tempo se o mundo conhecido acabasse? Como podemos superar a nós mesmos se nossas partes impedem o todo, se nossos dias impedem a vida, se nossa arte é feita sem tempo, se superar a si mesmo é incalculável?

O objetivo secreto da alma é encontrar algo arrebatador, irresistível, que transcenda tudo, que supere o tempo. No entanto, quando superamos o próprio tempo, o medo do arrebatamento celeste nos conforma novamente ao mundo e à vida que se cansa da dor.

A ideia de totalidade ainda é impossível nesta época para nós. Gostaria muito de nascer daqui a milhares de anos para provar o que deve ser aceitar a possibilidade disso. A completude é aterrorizante, o que nos tira de nós muito mais. A arte total nos cega, a vida completa nos faz morrer, o todo vencendo a parte nos retira de nós, do que somos. Não estamos prontos para isso. Ninguém está nesta época. Somos pathos – ou somos “patos” - somos humanos, somos ridiculamente patéticos em nossa alma e suas aspirações. Quando chegamos perto do tempo, desistimos da superação de si. Ainda bem, eu acho. O mundo não aguentaria tanta força. Voltemos a escrever para vender e ser compreendido.

sábado, 26 de outubro de 2013

DOUTORADO EM LISBOA


Deixei o Brasil. E por isso neste mês escrevi menos aqui. Deixei o Brasil para fazer meu doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal, lugar onde iniciei minhas pesquisas em Direito Penal, Criminologia e Políticas Criminais. Tenho bons mestres aqui.

O doutorado é bem diferente do mestrado: mais corrido, mais puxado, com mais aulas, mais leituras, mais seminários e apresentações. Os dias passam. Um internato de universidade, biblioteca e computador para escrever relatórios, resenhas e artigos. E os dias passam.

Minha rotina diária não é propriamente um sonho de consumo: 06 horas de leitura, mais 03 a 04 horas de aulas, mais 03 horas de escrita. Neste doutorado estou descobrindo como sou um pouco burro e muito ignorante. Tem pessoas muito especializadas em determinadas áreas do saber, que conseguem ler muito, saber quase tudo, acompanhar todas as publicações científicas sobre certo assunto.

Nunca achei que ia ser tão difícil deixar o Brasil, deixar Curitiba, me afastar do trabalho, se é que posso chamar ser polícia de trabalho. Adoro ser polícia, investigar, interrogar, ajudar, conhecer as pessoas e seus dramas. Aquilo é meu hobby, meu dom, meu passatempo, minha escola de vida.

Nunca achei que iria sentir tanta falta das pessoas do meu dia a dia, da minha rotina, das minhas missões. Fui tanto o Delegado Rafael Vianna, durante tanto tempo, que hoje não me reconheço mais longe da polícia, sem uma arma na cinta e uma carteira na mão.

Ainda assim, apesar de todas as dificuldades de adaptação, estudar é preciso e continuarei. É bom um tempo de afastamento, para não me embrutecer demais, um tempo para a reflexão, de ausência de poder, de meditação solitária com os livros, um tempo para ponderar mais do que agir.

No entanto, não achei que ia sentir tanto, que iria deixar tantas coisas, perder tantas oportunidades. Tomara que meus estudos possam servir para alguma coisa, para ajudar as pessoas, para melhorar a segurança pública no futuro, para me tornar uma pessoa melhor, mais compreensível com as fraquezas e dilemas humanos. Que um dia eu possa pagar a dívida que tenho com a sociedade e com Deus. Ele está sempre a me dar mais uma chance.  

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PARA SOBREVIVER EM UM MUNDO DIFÍCIL DEMAIS


Há muita tristeza no mundo. Muitos crimes, muitas mortes, muitas tragédias, muitos imponderáveis, muitas faltas. Ninguém muda o destino. O problema é que às vezes ele é cruel demais com alguns, chega com as moiras sedentas de uma vingança sabe-se lá do que. O destino brinca com todos nós em algum momento de nossa vida, mas para alguns é mais comum.

Não aguento ver olhos tristes. Não consigo conviver com tragédias anunciadas e que se repetem dia após dia. Algumas vezes o mundo é difícil demais. Compreender as pessoas é uma missão inalcançável e sempre incompleta, entender-me uma ilusão que só traz frustrações crescentes com o novo engano.

Às vezes chego a pensar que não gostaria de pensar, de sentir, de ver o mundo, de conhecer as pessoas. Às vezes resta-me apenas a vontade de não saber e não conhecer o ser humano, de não me enxergar, de afogar o que sinto quando vejo o mundo. Às vezes chego a pensar que existe uma saída, mas logo me encontro no labirinto eterno da vida e de minha alma.

Realmente não sei se sofro ou me divirto com a vida e seus mistérios, com as pessoas e suas tragédias, com as minhas certezas movediças e minha tristeza inconsolável. Queria não conhecer o mundo, não conhecer a mim, não conhecer as pessoas. Por que Nêmesis???

Para viver neste mundo precisamos preencher nossos dias com alguma violência e agressividade interior, precisamos revestir nosso espírito com alguma carapaça de metal forte, precisamos não enxergar e não sentir, precisamos não pensar. Não há vida possível sem violência interior para si mesmo. De outra forma, o mundo é triste demais e as tristezas são insuperáveis.

O destino é bom comigo, mas não com meu espírito e suas dúvidas insolúveis e infinitas. Minha sorte brinca com minhas angústias de ver um mundo em que pouco consigo sobreviver. Preciso levantar todos os dias e me odiar um pouco para realmente levantar. As deusas do destino estão sempre prontas para lembrar que sou humano, que nada pode se elevar acima de sua condição, que o equilíbrio do universo é intocável. Quem o abala merece ser castigado, pois não há crime maior. Ninguém muda o destino! Que eu tenha sorte e que o labirinto seja bom comigo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

QUEM EU SOU


Eu sou alguém que luta contra tudo que é, ainda que eu ache que sou um pouco mais essa luta do que o que sou. Lutar contra tudo o que poderia ser ou instintivamente seria é a minha vida, o que realmente sou, como vivo, como levo meus dias no mundo.

Luto contra meus instintos mais primitivos, minhas vontades mais violentas, meus medos mais naturais.

Adoro a guerra, mas luto pela paz. Sinto vontade da violência, mas educo meu espírito para a gentileza. Não acredito em compromissos, mas luto sempre para ser leal. Não acredito no ser humano, mas luto sempre para dignificá-lo. Não acredito nas pessoas, mas entrego-me com sinceridade em cada diálogo.

Não sei se vivo ou se apenas resisto.

Eu gosto do impossível, do choque, da impressão inesperada, do espanto, da filosofia, dos argumentos até o limite dos fundamentos. Sonho muitas vezes... Sonho em descobrir o fundamento último da existência e do espírito humano, em construir algo para a eternidade, em encontrar espíritos que também sonhem assim.

Tenho sonhos impensáveis até para quem me conhece profundamente, tenho uma contradição inerente naquilo que sou. Adoro o arrebatamento de uma vida de leituras ao lado da mulher que amo, em minha casa confortável e acolhedora; mas também namoro a possibilidade da luta no Sudão com a Legião Estrangeira.

Poucos entenderão tanta complexidade, tanta abstração misturada com um cortante pragmatismo, poucos aceitarão. Como explicar tanta contradição, tanta dúvida, tanta inquietação, tanta diferença com o mundo. Não vejo sentido na vida como as pessoas enxergam, nos seus valores, nos seus pensamentos e julgamentos; no entanto, vivo muito bem entre elas.

Será que as pessoas podem entender o que escrevo? Será que serve para alguma coisa tanta exposição? Será que escrevo para servir? Escrevo para mim e para poucos, pois não consigo escrever e ser mais simples. Gosto do jogo das palavras, de várias coisas ao mesmo tempo, da transmissão mais sutil de algo não aparente. Escrevo para atingir almas, para espíritos que nunca se revelam, escrevo para mim. Render-me a agendas contemporâneas faria com que meus textos não fossem mais meus.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

FRAQUEZAS E MEDOS


É possível um ser humano não sentir medo? É possível qualquer coisa que respira não sentir medo da morte, do fim, da inexistência eterna? É possível alguém não sentir medo da doença, de suas fraquezas, das obviedades do mundo?

Esta semana relembrei que a morte está sempre por perto, que ela nos leva tudo, que o tempo de todos termina. Esta semana relembrei de minhas fraquezas, de meus medos, de minhas dores eternas. Como não sentir dor ao ver pais chorando a morte de filhos? Como não sentir medo de não se encontrar um fim para essa dor? Como não sentir medo das moiras do destino, que podem nos impor um futuro que não desejamos?

Tenho muitos medos, mas nenhum deles é maior do que o medo de mim mesmo, de minhas perguntas intermináveis, de minha alma sempre inconformada, de minha fé que me permite questionamentos até o limite da razão. Tenho medo de minhas fraquezas, de que os outros as descubram, de meus fracassos, de minha consciência de que um dia vou morrer, tenho medo de sentir medo, de um dia sofrer sem conseguir controlar meus sentimentos, tenho medo de perder o controle, de cometer erros que não consiga consertar.

Tenho medo do que sou capaz de pensar e sentir, das coisas que posso questionar, de minha falta de “normalidade” para duvidar e analisar tudo, de minha busca incessante de sentido. Tenho medo de um dia causar medo, de desmascarar as fraquezas de alguém, de revelar traumas que as pessoas não querem relembrar, de escrever linhas que provoquem reflexão em quem não pode refletir.

Minha fraqueza é ter tantos medos e não os respeitar, continuar apesar deles, questioná-los até o esgotamento do que é racional, até o limite do que se consegue aguentar. O reconhecimento das fraquezas retira o ser humano do mundo, o faz lutar não apenas por instinto, o transforma em fortaleza pela não aceitação.

Um dia ainda chego à pergunta final e inaceitável para a razão, ao fundamento último das coisas e da existência, ao que me transforma no que penso que sou. Há poucas coisas que ainda não consigo questionar, há poucos caminhos da alma que ainda não tenho coragem de percorrer, há poucas dúvidas que ainda não ouso perguntar. Tenho medo de muitas coisas, mas nada me aterroriza mais do que o poder dos medos e da aceitação das fraquezas.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

POR QUE ESTUDAR


Sou muito burro; mas mais do que burro, sou mesmo é ignorante. Por isso preciso estudar. Tenho muitas dúvidas – e aqui não vai qualquer demagogia, falsa modéstia (até porque não a tenho) ou argumento retórico para impressionar – em assuntos nos quais as pessoas têm certezas, convicções, opiniões, convencimentos, pareceres certos e tudo mais.

Fico sempre inseguro se não falarei besteira ou “senão estarei falando” besteira. Tenho dúvidas demais sobre policiamento, segurança pública, criminalidade, controle da violência, vida em sociedade, planos existenciais, espírito humano, a diferença entre moral e ética, os fazeres humanos, os afazeres animais, as coisas do mundo, as paixões da vida, as desventuras da alma….

Tenho dúvidas e inseguranças demais. Não consigo nunca muita convicção em nada. Daí preciso ler para evitar os erros já cometidos, as trapaças já declaradas, as feições já derrubadas. Não posso cometer os mesmos erros. Mas é muita coisa para ler, muitos livros para folhear, muitos idiomas para aprender, muitos autores para decorar, muitas notícias para saber… Não tem como saber!

Como pode, então, as pessoas saberem? Como podem criticar e destruir sem qualquer nova proposta para construir? E como conseguem saber e acreditar naquilo que acham que sabem? Deve ser intuição, experiência, outras vidas e outros planos. Não tive esta sorte do conhecimento pré-programado, nem a certeza da convicção ignóbil. Da mesma forma, não tive a sorte da satisfação monetária ou da ilusão do poder. Felizes aqueles que desejam apenas os prazeres do dinheiro e do poder. Infeliz daquele que deles depende.

Como não fui um dos agraciados com essas paixões ou com a detestável e amável torpeza da convicção, tenho que voltar a estudar. Tenho que melhorar um pouco minha insegurança interior, preciso fortalecer meu espírito. Acho que vou voltar a ler, a aquietar-me, a ouvir mais do que falar.

Tudo no universo vive sob a eterna lei da expansão e da retração, um eterno e infinito ciclo de aumentar e diminuir, de inspirar e expirar. Aproxima-se a minha hora de recolher-me por um tempo, de um ciclo de estudo, de um pouco de reflexão, retração e preparação para uma futura fase de expansão. Melhor assim. Ninguém modifica as leis imutáveis do universo.