domingo, 29 de setembro de 2013

OVELHAS, LOBOS e CÃES PASTORES

Para reflexão.

Autor: Dave Grossman, Ten Cel, Ranger, Ph.D., Autor de "On Killing"

Um veterano do Vietnã, um velho coronel da reserva, certa vez me disse: "A maioria das pessoas em nossa sociedade são ovelhas. Eles são criaturas produtivas, gentis, amáveis que só machucam umas às outras por acidente." 

Isso é verdade. Lembre que a taxa de assassinatos é de 6 por 100.000, por ano, e taxa de agressões sérias é de 4 por 1000, por ano. O que isso significa é que a esmagadora maioria dos norte americanos não são inclinados a machucarem uns aos outros.

Algumas estimativas dizem que dois milhões de americanos são vítimas de crimes violentos todo ano. Um números trágico, assustador, talvez um recorde em matéria de crimes violentos. Mas existem quase 300 milhões de americanos, o que significa que as chances de ser vítima de um crime violento ainda é consideravelmente menor que uma em cem, em qualquer ano. Ainda, como muitos dos crimes violentos são praticados pelas mesmas pessoas, o número real de cidadãos violentos é consideravelmente menor que dois milhões. 

Há um paradoxo aí, e devemos pegar ambos os lados da situação: Nós podemos estar vivendo a época mais violenta da história, mas a violência ainda é surpreendentemente rara. Isso é porque a maioria dos cidadãos são pessoas gentis e decentes que não são capazes de machucarem umas às outras, exceto por acidente ou sob provocação extrema. Elas são ovelhas.

Eu não quero dizer nada negativo quando as chamo de ovelhas. Para mim a situação é como a de um ovo de passarinho. Na parte de dentro ele é gosmento e macio, mas algum dia ele se transformará em algo maravilhoso. Mas o ovo não pode sobreviver sem sua casca dura. Policiais, soldados e outros guerreiros são como essa casca, e algum dia a civilização que eles protegem tornar-se-á algo maravilhoso. Por enquanto, eles precisam de guerreiros para protegê-los dos predadores.

"E então há os lobos", disse o velho veterano de guerra, "e os lobos alimentam-se das ovelhas sem perdão." Você acredita que há lobos lá fora que irão se alimentar do rebanho sem perdão? É bom que você acredite. Há homens perversos nesse mundo que são capazes de coisas perversas. NO INSTANTE EM QUE VOCÊ ESQUECE DISSO, OU FINGE QUE ISSO NÃO É VERDADE, VOCÊ SE TORNA UMA OVELHA. Não há segurança na negação.

"E então há os cães pastores", ele continuou, "e eu sou um cão pastor. Eu vivo para proteger o rebanho e confrontar o lobo."

Se você não tem capacidade para a violência, então você é um saudável e produtivo cidadão, uma ovelha. Se você tem capacidade para a violência e não tem empatia por seus concidadãos, então você é um sociopata agressivo, um lobo. Mas e se você tem capacidade para a violência e um amor profundo por seus conterrãneos? O que você tem então? Um cão pastor, um guerreiro, alguém que anda no caminho do herói. Alguém que pode entrar no coração da escuridão, dentro da fobia humana universal e sair de novo.

Deixe-me desenvolver o excelente modelo de ovelhas, lobos e cães daquele velho soldado. Nós sabemos que as ovelhas vivem em negação da realidade, e isso é o que as faz ovelhas. Elas não querem aceitar o fato de que há mal neste mundo. Elas podem aceitar o fato de que incêndios podem acontecer, e é por isso que elas querem extintores, sprinklers, alarmes e saídas de incêndio em tudo quanto é canto das escolas de seus filhos.

Mas muitas delas ficam ultrajadas diante da idéia de colocar um policial armado na escola de seus filhos. Nossos filhos são milhares de vezes mais suscetíveis a serem mortos ou seriamente feridos por violência escolar do que por fogo, mas a única resposta da ovelha para a possibilidade de violência é a negação. A idéia de que alguém venha matar ou ferir seus filhos é muito dura, então elas escolhem o caminho da negação.

As ovelhas geralmente não gostam dos cães pastores. Ele parece muito com o lobo. Ele tem dentes afiados e a capacidade para a violência. A diferença, no entando, é que o cão pastor não deve, não pode e não irá nunca machucar as ovelhas. Qualquer cão pastor que intencionalmente machuque a ovelhinha será punido e removido. O mundo não pode funcionar de outra maneira, pelo menos não em uma democracia representativa ou uma república como a nossa.

Ainda assim, o cão pastor incomoda a ovelha. Ele é uma lembrança constante que há lobos lá fora. As ovelhas prefeririam que ele não lhe dissesse para onde ir, não lhe desse multas e nem ficasse nos aeroportos, com roupas camufladas e segurando um M-16. As ovelhas prefeririam que o cão guardasse suas garras e dentes, se pintasse de branco e dissesse: "Béé"

Até que o lobo aparece. Aí o rebanho inteiro tenta desesperadamente esconder-se atrás de um único cão. 

Os estudantes, as vítimas, na escola de Columbine eram adolescentes, grandes e durões. Sob circunstâncias ordinárias, elas nunca gastariam algum tempo de seu dia para dizer algo a um policial. Elas não eram crianças ruins, elas simplesmente não teriam nada a dizer a um policial. Quando a escola estava sob ataque, no entanto, e os times da SWAT estavam entrando nas salas e corredores, os policiais tinham praticamente que arrancar os adolescentes que se agarravam às suas pernas, chorando. É assim que as ovelhinhas se sentem quando a respeito de seus cães pastores quando o lobo está na porta.

Olhe o que aconteceu depois do 11 de setembro, quando o lobo bateu forte na porta. Lembram-se de como a América, mais do que nunca, sentiu-se diferente a respeito de seus policiais e militares? Lembram-se de quantas vezes ouviu-se a palavra "herói"?

Entendam que não há nada moralmente superior em ser um cão pastor; é apenas aquilo que você escolhe ser. Entendam ainda que um cão pastor é uma criatura esquisita. Ele está sempre farejando o perímetro, latindo para coisas que fazem barulho durante a noite, e esperando ansiosamente por uma batalha. Os cães jovens ansiam por uma batalha, é melhor dizer. Os cães velhos são mais espertos, mas ao ouvir o som das armas e perceberem que são necessários eles se movem imediatamente, junto com os jovens.

É aqui que as ovelhas e cães pensam diferente. A ovelha faz de conta que o lobo nunca virá, mas o cão vive por aquele dia. Depois dos ataques de 11 de setembro, a maior parte das ovelhas, isto é, a maioria dos cidadãos na América disse "Graças a Deus que eu não estava em um daqueles aviões". Os cães pastores, os guerreiros, disseram, "Meu Deus, eu gostaria de ter estado em um daqueles aviões. Talvez eu pudesse ter feito a diferença." Quando você está verdadeiramente transformado em um guerreiro, você quer estar lá. Você quer tentar fazer a diferença.

Não há nada de moralmente superior sobre o cão, o guerreiro, mas ele leva vantagem em uma coisa. Apenas uma. E essa vantagem é a de que ele é capaz de sobreviver em um ambiente ou situação que destrói 98% da população. 

Houve uma pesquisa alguns anos atrás com indivíduos condenados por crimes violentos. Esses presos estavam encarcerados por sérios e predatórios atos de violência: Assaltos, assassinatos e assassinatos de policias. A GRANDE MAIORIA DISSE QUE ESCOLHIA SUAS VÍTIMAS PELA LINGUAGEM CORPORAL: ANDAR DESLEIXADO, COMPORTAMENTO PASSIVO E FALTA DE ATENÇÃO AO AMBIENTE. Eles escolhiam suas vítimas como os grandes felinos fazem na áfrica, quando eles selecionam aquele que parece menos capaz de se defender.

Algumas pessoas parecem destinadas a serem ovelhas e outras parecem ser geneticamente escolhidas para serem lobos ou cães. Mas eu acredito que a maior parte das pessoas pode escolher qual dos dois eles querem ser, e eu estou orgulhoso de dizer que mais e mais americanos estão escolhendo serem cães.

Sete meses depois do ataque de 11 de setembro, Todd Beamer foi homenageado em sua cidade natal, Cranbury, Nova Jersei. Todd, como vocês se lembram, era o homem no vôo 93, sobre a Pensilvânia, que ligou de seu celular para alertar um operador da United Airlines sobre o sequestro. Quando ele soube que outros três aviões haviam sido usados como armas, Todd largou o telefone e disse as palavras "Let's roll" o que as autoridades acreditam que tenha sido um sinal para os outros passageiros para confrontar os sequestradores. Em uma hora, uma transformação ocorreu entre os passageiros - atletas, homens de negócios e pais - de ovelhas para cães pastores e juntos eles combateram os lobos, salvando um número indeterminado de vidas no chão.

"Não há salvação para o homem honesto, a não ser esperar todo o mal possível dos homens ruins." - Edmund Burke 

Aqui é o ponto que eu gosto de enfatizar, especialmente para os milhares de policiais e soldados para os quais falo todo ano. Na natureza, as ovelhas, as ovelhas de verdade, nascem assim. Cães nascem assim, bem como os lobos. Eles não têm uma chance. Mas você não é uma criatura. Você é um ser humano, e como tal pode ser o que quiser. É uma decisão moral consciente.

Se você quer ser uma ovelha, então você pode ser uma ovelha e está tudo bem, mas você deve entender o preço a pagar. Quando o lobo vier, você e as pessoas que você ama morrerão se não houver um policial por perto para protegê-lo. Se você quer ser um lobo, tudo bem, mas os pastores o caçarão e você não terá nunca descanso, segurança, confiança ou amor. Mas se você quiser ser um cão pastor andar no caminho do guerreiro, então você deve tomar uma decisão consciente DIÁRIA de dedicar-se, equipar-se e preparar-se para aquele momento tóxico, corrosivo, quando o lobo vem bater em sua porta.

Quantos policiais, por exemplo, levam armas para a igreja? Elas estão bem escondidas em coldres de tornozelo, coldres de ombro, dentro dos cintos ou nas costas. A qualquer hora em que você estiver no culto ou na missa, há uma boa chance que um policial na sua congregação esteja armado. Você nunca saberia se havia ou não um indivíduo assim em seu local de adoração, até que o lobo aparece para massacrar você e as pessoas que você ama.

Eu estava treinando um grupo de policiais no Texas e, durante o intervalo, um policial perguntou a seu amigo se ele levava a arma para a igreja. O outro respondeu "Eu nunca vou desarmado à igreja" Eu perguntei porque ele tinha uma opinião tão firme a esse respeito, e ele me contou a respeito de um policial que ele conhecia que estava em um massacre em uma igreja em Fort Worth, Texas, em 1999. Nesse incidente, uma pessoa desequilibrada mentalmente entrou na igreja e abriu fogo, matando quatorze pessoas. Ele disse que o policial acreditava que ele podia ter salvo todas as vidas naquele dia se ele estivesse carregando sua arma. Seu próprio filho foi atingido, e tudo o que ele pôde fazer foi atirar-se sobre o corpo do garoto e esperar a morte. Aquele policial me olhou nos olhos e disse "Você tem idéia do quão difícil é viver consigo mesmo depois disso?

Alguns ficariam horrorizados se soubessem que esse policial estava na igreja armado. Eles o chamariam de paranóico e provavelmente o admoestariam. Ainda assim, esses mesmo indivíduos ficariam enfurecidos e pediriam que "cabeças rolassem" se descobrissem os air bags de seus carros estavam defeituosos, ou que os extintor de incêndio nas escolas de seus filhos não funcionavam. Eles podem aceitar o fato que fogo e acidentes de trânsito podem acontecer e que devem haver medidas de segurança contra eles.

A única resposta deles ao lobo, no entanto, é a negação, e, frequentemente, sua única resposta ao cão pastor é a chacota e o desdém. Mas o cão pastor pergunta silenciosamente a si mesmo "Você tem idéia do quão duro seria viver consigo mesmo se seus entes queridos fossem atacados e mortos, e você ficasse ali impotente porque está despreparado para aquele dia?"

É a negação que transforma as pessoas em ovelhas. Ovelhas são psicologicamente destruídas pelo combate porque sua única defesa é a negação, que é contra produtiva e destrutiva, resultando em medo, impotência e horror, quando o lobo aparece.

A negação mata você duas vezes. Mata uma, no momento da verdade, quando você não está fisicamente preparado: você não trouxe sua arma, não treinou. Sua única defesa era o pensamento positivo. Esperança não é uma estratégia. A negação te mata uma segunda vez porque mesmo que você sobreviva fisicamente, você fica psicologicamente destroçado pelo seu medo, impotência e horror na hora da verdade.

Gavin de Becker coloca dessa maneira em "Fear Less", seu soberbo livro escrito após o 11/Set., leitura requerida para qualquer um tentando entender a atual situação global: "... a negação pode ser sedutora, mas ela tem um efeito colateral insidioso. Apesar de toda a paz de espírito que aqueles que negam a realidade supostamente alcançam por dizerem que as coisas não são tão sérias assim, a queda que eles sofrem quando ficam cara a cara com a violência é muito mais perturbadora."

A negação é uma situação de "poupe agora pague mais tarde", uma enganação, um contrato escrito só em letras miúdas. A longo prazo, a pessoa que nega acaba conhecendo a verdade em algum nível.

Assim, o guerreiro deve lutar para enfrentar a negação em todos os aspectos de sua vida, e preparar-se para o dia em que o mal chegará.

Se você é um guerreiro que é legalmente autorizado a carregar uma arma e você sai sem levar essa arma, então você se transforma em uma ovelha, fingindo que o homem mau não virá hoje. Ninguém pode estar ligado 24 horas por dia, 7 dias por semana, a vida inteira. Todos precisam de tempo de repouso. Mas se você está autorizado a portar uma arma e você sai sem ela, respire fundo e diga para si mesmo:

"BÉÉÉÉÉÉÉ..." 

Essa história de ser uma ovelha ou um cão pastor não é uma questão de sim ou não. Não é um tudo ou nada. É uma questão de degraus, um continuum. De um lado está uma desprezível ovelha com a cabeça totalmente enfiada na terra, e no outro lado está o guerreiro completo. Poucas pessoas existem que estão completamente em um lado ou outro. A maioria de nós vive no meio termo. Desde 11 Set, quase todos na América deram um passo acima nesse continuum, distanciando-se da negação. A ovelha deu alguns passos na direção de aceitar e apreciar seus guerreiros, e os guerreiros começaram a tratar seu trabalho com mais seriedade. O grau para o qual você se move nesse continuum, para longe da "ovelhice" e da negação, é o grau no qual você estará preparado para defender-se e a seus entes queridos, fisicamente e psicologicamente, na hora da verdade.
 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

SALTO DE CONSCIÊNCIA


A evolução é feita de rupturas e de saltos. A melhoria não é linear, calma e tranquila, sem possibilidade de percebermos. Um dia o mundo muda! Precisamos nos preparar, ler, estudar, praticar a meditação, orar ou rezar (se for o caso).

De repente, quando menos esperamos, aparece uma ideia, uma reminiscência, escolhemos bem e mudamos o caminho da história. Um dia o homem conseguiu se enxergar de fora, se representar em uma escultura. Neste dia, o homem não pertencia mais ao mundo. Saímos da eternidade em que vivem os animais, passamos a entender que poderíamos mudar o mundo, nossas vidas, nosso tempo, pensar nossa história.

Ter consciência de que existimos além do meio que nos circula, além de nosso trabalho, de nossos anseios e desejos, de nossos sofrimentos, faz com que possamos parar e pensar. Um salto de consciência!

Em situações limites, percepções diferentes e inusitadas podem mudar nossas vidas, mas, como regra, precisamos trabalhar um pouco para existir um salto de consciência individual. A meditação, o diálogo criador com outras pessoas e a atenção constante em todos os seus atos e pensamentos conduzem aos saltos de consciência, mudanças permanentes na forma como enxergamos o mundo e a nós mesmos.

Parar dez minutos antes de sair de casa e outros dez antes de dormir, para programar e depois refletir sobre seus atos naquele dia, pode ser um bom início. Alguns intelectuais, pensando em acelerar os saltos de consciência diante do aparente caos em que a humanidade se encontra, fundaram o Clube de Budapeste, uma associação de pessoas de boa vontade que se dedicam a pensar um novo jeito e uma nova ética para resolver os problemas sociais, econômicos, de segurança, políticos e ecológicos que teremos que enfrentar neste século.

Estimular o diálogo entre diferentes tradições e confrontar visões de mundo e ideias para melhorar a cultura mundial e desenvolver uma consciência cosmopolita são alguns dos objetivos do Clube, o qual acredita fortemente na educação e na cultura como motores propulsores dos saltos de consciência.

Para isso ocorrer, o Clube de Budapeste e o World Shift, outra entidade que pesquisa como saltos de consciência podem mudar o mundo, propõem uma ética planetária simples, em síntese: viver com respeito pelos outros e pela natureza; agir para criar um mundo melhor; desenvolver e expandir sua consciência para desenvolver o espírito humano. Por que não?

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O QUE FAZER DIANTE DE NOSSAS PARALISIAS?


Chega de me esconder atrás de palavras que apenas constatam. Chega de ter medo do confronto. Chega da minha zona de conforto onde não ofendo os paralisados e os maldosos. Já fui longe demais para retroceder. Agora não tem mais volta.

Não quero ser um articulista como Diogo Mainardi ou o Arnaldo Jabor, os quais nos provocam a reflexão, alguns risos e nos causam fascínio com a beleza da escrita, mas apenas constatam. Constatam e relatam os problemas do mundo, dos homens, do poder, da vida. Diante da paralisia dos muitos, talvez seja importante gritar tudo que está errado e que não tem sentido, mas não me basta. Talvez seja outra época. Talvez eles tenham vindo para constatar e gritar as incongruências, mas isso não é suficiente para mudar.

Às vezes chego a admirar mais o político do que o intelectual. Ele se expõe, tenta, perde-se, mas está lá. Claro que existem os que apenas têm interesses obscuros desde o início, mas a maioria muda ao longo do caminho, com os fascínios e os labirintos do poder. Só pode ser corrupto aquele que querem corromper. Só pode delinquir aquele que tem condições reais para delinquir. O crítico apenas aponta porque nunca estará lá para ser corrompido ou resistir, nunca estará lá para mudar de verdade, para tentar outras formas, para poder mudar. Então, com um intelectualismo covarde e blindado da corrupção ou dos anseios humanos, critica, aponta, constata. E daí? Admiro mais quem se expõe ao poder e à política, pois estes estão mais próximos de mudar e melhorar, ainda que poucos façam. Ainda assim, estão mais perto de ajudar o mundo do que aqueles articulistas, intelectuais, críticos e acadêmicos que nunca serão corruptos ou criminosos, não por princípio, mas por total incapacidade e insignificância no mundo real.

Sempre costumei falar que quem sabe faz e quem não sabe ensina, não acreditando muito nos que apenas ensinam. Se o professor universitário sabe tanto como fazer o certo, por que não faz? Por que apenas mostra um caminho que ele nunca trilhou? Admiro os professores que se expõem em cargos políticos, em funções de estado, em administrações que lhe aproximam do fracasso. Admiro e preciso dessa coragem. Preparação como uma fase da ação, não como um fim em si mesmo.

E assim passo a escrever sobre o que é preciso mudar e como mudar. Isso para preparar um caminho, para confrontar ideias, para sair do comum da simples constatação.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

PARALISIA INTELECTUAL E MORAL


Vivemos uma paralisia intelectual e moral em nossa sociedade. Atualmente, ninguém pensa ou acha bonito pensar. Estou entre esses, mas sou apenas um pouco mais chato e renitente. Não consigo me conformar que me conformo, que esqueço, que apenas vivo. E só me lembro disso quando vejo adolescentes e jovens mais paralisados do que eu. Paralisados intelectualmente, moralmente, indiferentes a tudo, em suas vidas, nas vidas dos seus mais próximos, em relação ao mundo e a forma como vivemos em sociedade.

Hoje vivemos uma paralisia intelectual e moral como “nunca antes na história deste país”. Ninguém mais liga para nada, ninguém mais se sente ator no mundo, capaz de mudar ou contribuir para melhorar nada. Depositamos nossas esperanças em 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. Assusta-me quando idolatramos pessoas que apenas fazem o que devem fazer. Nada sobrenatural ou excepcional. Mas em um mundo onde estamos sempre paralisados, onde não pensamos e não julgamos a nós mesmos, qualquer pequeno ato torna-se o símbolo da luta do dever-ser contra o que somos.

Converso com pessoas que estão se formando e que o sonho de vida é ganhar dinheiro sem precisar trabalhar muito. Assim podem ir às baladas e curtir a vida. Afinal, estamos no mundo para curtir a vida. Paralisia intelectual. Essas pessoas não pensam! Não sabem o que falam. Essas pessoas não ponderam, pois não sabem o mal que causam.

Conheço pessoas velhas e ricas, as quais têm como único sonho juntar mais dinheiro para comprar um novo carro, um novo relógio, uma nova bolsa. Essas pessoas não pensam, pois poderiam muito mais. Essas pessoas não julgam, pois se condenariam.

Não sei quais das duas me estarrecem mais. Jovens sem sonhos de mudar o mundo ou velhos com todas as possibilidades que nada fazem. Estes tiveram sonhos diferentes quando jovens ou tornaram-se o que são devido às asperezas da vida? E aqueles? Nasceram assim ou são frutos de pais, colégios e mundos ilusórios?

E eu? Será que sou normal? Ou sou um louco que se julga mais do que vale? Ou simplesmente sinto os efeitos de minha paralisia intelectual e moral? Talvez sempre tenha sido assim, em todas as épocas e em todas as sociedades. Apenas sinto diferente agora porque vivo nesta. Sou um pobre ignorante amoral que não conhece a história.

domingo, 8 de setembro de 2013

PLANEJAR A SUA VIDA: QUAL É A MELHOR MANEIRA DE VIVER?


Precisamos de sonhos para viver. Precisamos caminhar para algum lugar ou gostar do simples caminhar. Ou precisamos não pensar nisso para continuar caminhando. Certo é que precisamos sempre. Talvez a vida seja apenas um desejar alguma coisa até conquistá-la e depois recomeçar um novo ciclo de sonhos, desejos, buscas e encontros. Depois, recomeçamos e buscamos alguma coisa mais. Alguns filósofos diriam que isso é a angústia da vida – o desejar sempre algo que não temos -, a insatisfação permanente que torna a vida tão sofrida e difícil.

Outros filósofos diriam que é esse o fascínio da vida, um livro aberto, uma história porvir, uma plêiade de possibilidades. Precisar pode trazer angústia, mas torna a vida possível, torna momentos em algo sempre a ser construído, buscado e renovado. Tudo depende da forma como enxergamos a busca e o precisar, mas é certo que a completude é ilusória quando não se ama o caminhar.

Nós precisamos precisar! No entanto, precisamos pensar no que queremos precisar. Esse é o jogo da vida, a arte de viver, a melhor maneira de passar nossos dias em uma eternidade que, se existisse, seria tediosa demais para o pouco que pensamos em precisar.

É isso que nossas crianças precisam, nossos jovens, todos nós seres humanos. Precisamos de sonhos, de projetos, entender a existência, o que estamos fazendo com ela, com nossa vida, com nossos dias. Precisamos pensar o que estamos construindo em nossa existência, para não ser apenas mais um dia que torcemos que chegue logo ao fim. Não pode ser só trabalho, só ir e vir mecanicamente, só sobreviver em um mundo que se repete todos os dias sem sentido.

Precisamos pensar em qual a melhor maneira de viver, o que pretendemos fazer com nossos dias, com nossa vida, com nossa existência, com aqueles que amamos. Precisamos estimular nossas crianças a terem sonhos, a amar o caminhar. Foi por isso que escrevi o livro “A melhor maneira de viver: inquietações da razão humana”.

De outra forma, a vida não tem razão de ser, a existência não tem projetos, o mundo não tem valor. Aí é vida louca, onde um crime, uma droga, uma pessoa, uma arma não importam. Onde tudo se pode porque nada tem sentido. Precisamos construir nossa existência, criar nossos sonhos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

POLÍCIA DE COVARDES



Estamos transformando a polícia em uma instituição de covardes. Hoje, poucos policiais têm o ímpeto de agir imediatamente diante de uma injustiça ou de uma situação delituosa. Poucos têm a vontade de investigar e se expor às ruas e a seus conflitos, poucos têm a inconsequência de ir, quando a prudência normal e comum recomendam não ir.

A polícia não é uma profissão de certezas, de escolhas fáceis e certas, de ausência de riscos, de legalidades simples dos bancos acadêmicos. Polícia é risco e incerteza 24 horas por dia. Não existe a possibilidade de esperar um criminoso sacar a arma e apontá-la para você antes de você decidir atirar. Não se pode pedir sempre um mandado de busca para entrar em uma casa. Não existe sempre situações claras de risco e de flagrante delito que lhe permitam saber 100% do sucesso de suas escolhas e suas ações. Nas ruas, a lógica é outra: surpreender para não ser surpreendido, sobreviver a todo custo. A polícia não é uma profissão de certezas e de legalismo acadêmico. Não podemos transformar nossos policiais em pessoas acuadas e com medo de agir, com medo de responder por crimes, por abusos, por excessos.

Claro que não se pode permitir tudo, autorizar desmandos, torturas, abusos de autoridade. Mas não se pode exigir certezas e antecipações que os imprevistos das ruas não permitem. Não podemos colocar nossos policiais em uma situação de desconfiança prévia em relação aos seus atos que os imobilizem, não podemos exigir garantias que sequer podemos dar a eles. Prejulgando ações policiais como de má-fé, transformaremos nossos protetores em covardes que têm medo da decisão, que preferem não sair às ruas para investigar e prender. Hoje na polícia é mais cômodo não fazer nada, pois aí você evita os riscos das decisões incertas e os procedimentos que delas advém. Ocorre que isso é o fim da polícia, de nossos cães pastores, de nossos protetores.

Desgastes, equívocos e erros sempre existirão na atividade policial; mas nenhum erro será maior para a sociedade do que transformar a polícia em um lugar de covardes burocratas, que se escondem atrás de procedimentos e regras acabadas que não resolvem o imediatismo do pavor de um crime acontecendo.

Precisamos de policiais bem treinados sim, mas também um pouco inconsequentes, pois há sempre algo de incalculável e imprevisível diante da morte, de dilemas morais, de decisões que mudarão vidas. Não valorizo o improviso e o desleixo – pelo contrário, sou um dos policiais que mais estimula o estudo e o treinamento constante – mas precisamos de policiais que não tenham medo do risco, que anseiem um pouco pelo confronto, que tenham coragem de ir quando a prudência comum mandar não ir. Não existe o discurso do herói, do fazer o bem para a sociedade, do transformar o mundo em lugar melhor quando apontam uma arma para você. Ninguém vai pra rua quando o confronto é iminente e a derrota certa, seja morrendo ou voltando vivo para casa. Logo nossa polícia será formada apenas por covardes. Logo o caos habitará entre nós.

domingo, 1 de setembro de 2013

“É preciso entender as causas por trás do comportamento violento” - entrevista com Padma Samten

Entrevista publicada na Gazeta do Povo, por Rodrigo Wolff Apolloni.

Foto: André Rodrigues
 
Físico quântico, professor universitário, filósofo, cicloativista e líder do Budismo Tibetano no Brasil. Alfredo Aveline – ou melhor, o lama Padma Samten – é, principalmente, um devoto da paz. Na contracorrente das opiniões recentes sobre as formas de aumentar a segurança no país, ele não defende o endurecimento das medidas repressivas, mas a investigação e a superação das causas internas da violência. Recentemente, ele esteve em Curitiba para ministrar uma palestra no Conselho Parlamentar de Cultura da Paz do Paraná, o ConPaz. Nesta entrevista, ele fala sobre a contribuição do pensamento budista para a redução da violência.
Nos últimos meses, a sociedade brasileira se aproximou da ideia de reduzir a maioridade penal. Para muitas pessoas, a medida inibiria a criminalidade entre os mais jovens. Como o senhor vê a questão?
Reduzir ou não reduzir a maioridade penal não vai fazer grande diferença. Em nossa época, as crianças de 10 anos são seres muito lúcidos. Elas entendem as coisas, dão palpites, são criativas, são ótimas. Aos 16, então, essa compreensão é muito maior. O problema, porém, não reside aí: o fato é que a penalização, o encarceramento, não funciona em nenhuma idade, seus resultados são frágeis e danosos. Essa é a questão principal.
Diante dessa perspectiva, qual seria a solução?
É preciso entender o que leva um jovem ou qualquer pessoa a agir de forma negativa. Nós não temos uma compreensão profunda sobre como esses processos ocorrem. Condenar uma pessoa equivale, no Budismo, a “dar nascimento negativo”, ou seja, imprimir um caráter, dar uma identidade ruim. Se nós tomarmos essas pessoas e as ligarmos à perspectiva de que vão agir sempre de forma criminosa, não teremos a possibilidade de ver como elas poderiam sair desta paisagem mental negativa. É preciso saber como se ligaram a essa paisagem mental que faz com que pensem que suas ações são favoráveis. Nenhuma ação negativa é satisfatória para quem a pratica: a pessoa fica envergonhada, percebe a tristeza que provoca em seus semelhantes e sabe que o resultado é insatisfatório. Que se esvai e provoca sofrimento. Nós estamos muito preocupados com a violência porque ela nos afeta enormemente, mas precisamos compreender o tema a partir de mais perspectivas, perceber todos os fatores envolvidos e trabalhar com cada um deles. A prisão de uma pessoa não significa que ela vá mudar, e que os aspectos de sua mente não serão copiados por outras pessoas. Se não houver essa compreensão, vamos continuar encarcerando pessoas e os problemas não serão resolvidos.
As instituições não dão conta de forjar uma sociedade baseada na paz. O foco, aliás, está na violência e na punição. Como modificar esse quadro?
Iniciativas como a do Conselho Parlamentar pela Paz do Paraná, o ConPaz, são louváveis. Elas se encarregam de localizar, nas tradições filosóficas e religiosas, na cultura, elementos que contribuam para mudar as coisas. São capazes de detectar os elementos sutis que determinam o atual cenário de violência. É espantoso perceber o quanto ações violentas cometidas em outros países contaminam a nossa sociedade. As coisas acontecem lá e, de repente, começam a pipocar aqui. Ou, então, ações inacreditáveis que surgem entre nós e que, de repente, se repetem. Detectar esse processo é fundamental para superar a violência. Um exemplo: se você examinar a programação televisiva, vai perceber o quanto somos bombardeados por coisas negativas. Eu tenho filhos pequenos e fico abismado ao ver o grau de violência nos desenhos animados – eles invariavelmente ensinam a ultrapassar os limites do bom senso e a fazer o que não deve ser feito. Os personagens são explodidos e, de repente, retornam ilesos, ou seja, não há problema em explodir o outro. Fica a lição da impunidade, de que é possível fazer tudo sem arcar com as consequências. A coisa não se resolve pela censura, mas pela percepção da origem dessas disposições negativas, desse adoecimento coletivo.
É possível localizar uma causa central para o atual estado de coisas no mundo?
Tenho para mim que as coisas passam pelo processo econômico, que é ilusório e insatisfatório em si mesmo. Mesmo que as pessoas comprem tudo o que desejam, elas seguem deprimidas, doentes. Se o poder econômico trouxesse felicidade, as pessoas ricas estariam imunes à tristeza, o que não acontece. Ou seja: o processo econômico, tal como o concebemos, não dá conta de resolver os problemas; não só não dá conta, como aprofunda a crise em termos planetários. Tomemos como exemplo a China, que se tornou uma potência econômica e uma espécie de “modelo a seguir”. Hoje, das 30 cidades mais poluídas do mundo, 20 são chinesas. Esse “progresso” é perverso, e começa a produzir respostas dentro da própria sociedade, que passa a se opor à instalação de complexos industriais.
Ou seja, também existem elementos positivos emergindo do cenário...
Sem dúvida. Um sinal disso é a percepção crescente de que o PIB já não é o melhor referencial de riqueza. Esse índice, aliás, deve perdurar por mais algum tempo e ser substituído por outro, que contemple fatores como a felicidade. Isso é muito importante, porque mostra que o referencial econômico, sozinho, não dá conta da realidade, e que é preciso buscar o referencial humano.
O Budismo Tibetano, tradição religiosa da qual o senhor é um líder, sofreu com a violência praticada no contexto da invasão chinesa ao Tibete. Que lições extraiu desse episódio?
É interessante perceber como as coisas evoluem. Meu mestre Chagdud Rinpoche [1930 – 2002] perdeu tudo quando o Tibete foi invadido. Perdeu a esposa, a família, as propriedades. Fugiu para o Nepal por montanhas geladas, chegou lá muito enfraquecido e, no processo, quase morreu ao cair em um rio de montanha. E, sem nenhum bem, começou uma nova trajetória. Viveu na Índia, veio aos Estados Unidos e, depois, instalou-se no Brasil, onde impulsionou a difusão do Budismo Tibetano. Um caminho semelhante foi trilhado por sua santidade, o Dalai Lama. Esses mestres enriqueceram a cultura ocidental, em especial porque trouxeram uma compreensão diferenciada da mente, uma percepção sutil que, atualmente, é percebida como importante. A cultura budista nos enriquece porque nos faz perceber que o mundo exterior é inseparável de nossas dimensões internas, e que a mudança do mundo passa por mudanças em nossa própria mente, em nossa própria percepção. Os chineses, então, têm esse “mérito”: de chacoalhar toda a estrutura do Budismo Tibetano, de sacudir todos os mestres como se sacudissem uma árvore frondosa – e de, com isso, espalhar flores e frutos por uma área muito maior. Com isso, os mestres precisaram dar conta de algo diferente, não só de preservar as próprias tradições, mas de fazer com que o mundo delas se beneficiasse.