Nas últimas semanas, diversas reportagens trataram da 6ª Cúpula das Américas, a qual ocorre este final de semana na Colômbia.
Neste encontro, chama a atenção a discussão sobre a descriminalização e regulamentação das drogas, tema já diversas vezes debatido neste espaço e em meu livro "Diálogos sobre segurança pública: o fim do estado civilizado".
Hoje, reuni quatro reportagens/ensaios (publicados recentemente) sobre tal tema, o que espero que ajude e estimule a reflexão de todos.
FOLHA DE SÃO PAULO
Tendências/Debates
Vai fugir da guerra, Dilma?
Para o líder da Guatemala, um general que não é bem um bicho-grilo, a guerra às drogas fracassou. Argentina, México e Colômbia apoiaram. E o Brasil?
Os chefes de Estado das Américas vão passar o fim de semana na linda Cartagena das Índias, na costa da Colômbia. O encontro promete as cenas de sempre: discursos sobre o bloqueio a Cuba, provocações de Chávez, sorrisos luminosos de Obama com o mar caribenho ao fundo. Enquanto isso, a América Latina está se afogando em um banho de sangue. É o pedaço mais violento do mundo, bem mais do que a África. Dos 14 países com maior taxa de assassinatos, sete ficam na América Latina, a começar pelo primeiro da lista, El Salvador, onde a chance de morrer perfurado por uma bala é maior do que no Iraque em guerra. O Brasil está olímpico competindo pelas posições do topo do ranking dos homicídios: é o 18º colocado, com 26 assassinados em cada 100 mil habitantes, mais que Palestina, Afeganistão e Moçambique. Em números absolutos, levamos o ouro: somos o país onde mais se assassina no mundo.
O motivo de tanta violência é claro como o mar do Caribe: a guerra contra as drogas. Nos últimos 40 anos, desde que Richard Nixon sentava na cadeira de Obama, os Estados Unidos lideram uma ofensiva repressiva contra as drogas no continente inteiro. As leis duras dão aos criminosos o monopólio de um mercado muito lucrativo, o que permite que eles sejam mais bem armados e bem pagos do que as forças de segurança.
O resultado é que os índices de violência vão às alturas. Paradoxalmente, o uso de drogas não para de crescer, por causa da falta de investimento em saúde e educação, já que o dinheiro está comprometido com armas e prisões.
A guerra contra as drogas é hoje o maior empecilho ao desenvolvimento latino-americano, afundando empresas, aumentando custos e estraçalhando o turismo. Mas, por muitos anos, nenhum político da região teve coragem de enfrentar esse problema -morriam de medo do grande irmão do norte e de perder votos nas eleições.
Isso começou a mudar. Mês passado, Otto Pérez Molina, presidente da Guatemala, sétimo país mais violento do mundo, defendeu que os países do continente comecem a conversar sobre soluções para o problema -incluindo aí a ideia de criar mercados controlados para a maconha, de forma a diminuir a lucratividade do tráfico e, consequentemente, o tamanho de suas armas.
Não pense que Perez Molina seja um bicho-grilo cabeludo: na verdade, ele é um general linha-dura que se elegeu dizendo que iria "esmagar os carteis com punho de ferro". Mas ele não é burro. Sabe que não terá chance de vencer enquanto as nossas políticas de drogas enriquecerem o exército inimigo. Apoios à atitude corajosa de Molina pipocaram em países importantes, como Colômbia, México, Argentina, Uruguai e Chile. Os Estados Unidos fizeram o que se espera deles: mandaram o vice-presidente dar uma bronca em Molina, fizeram pose de indignados. Estão jogando para a torcida: é ano de eleição e Obama não quer a fama de ser "mole com as drogas".
O ex-presidente da Colômbia, Cesar Gaviria, disse que a maioria dos principais oficiais do governo americano já sabe que a guerra contra as drogas foi um erro e que ela só não acaba porque está "funcionando no piloto automático".
No meio dessa confusão, um país é fundamental: o Brasil. Se Dilma apoiar claramente o debate, Brasil, México e Colômbia, as três maiores economias da América Latina, estarão do mesmo lado, defendendo a região de um banho de sangue. Isso precipitaria mudanças no mundo todo.
Mas o Brasil finge que não é com ele. O Itamaraty se recusou a comentar qualquer coisa, além de soltar uma vaga declaração de que o país "não se opõe ao debate". Nossos governantes devem estar ocupados demais escrevendo discursos sobre Cuba.
DENIS RUSSO BURGIERMAN, 38, jornalista, é autor do livro "O Fim da Guerra: a Maconha e a Criação de um Novo Sistema para Lidar com as Drogas" (Leya)
JORNAL BRASIL 247
Presidente da Guatemala defende legalização das drogas
Otto Perez Molina irá expor sua posição na 6ª Cúpula das Américas, que ocorrerá na Colômbia
Agência Brasil - O presidente da Guatemala, Otto Perez Molina, pretende defender a descriminalização das drogas durante a 6ª Cúpula das Américas, em Cartagena das Índias, na Colômbia. O combate ao narcotráfico nas Américas e as propostas de ação conjunta para o fortalecimento da segurança regional devem predominar nas discussões que reunirão 34 presidentes e primeiros-ministros.
Perez Molina disse que a proposta de descriminalização será apresentada durante a reunião com os líderes políticos. Segundo ele, dificilmente haverá consenso sobre todas as propostas apresentadas na cúpula. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, é contra a legalização do consumo de dorgas.
A Guatemala, localizada na América Central, é um dos países que mais sofre com o tráfico de armas, drogas e pessoas. Grupos armados atuam na região e agravam a onda de violência no país. Dados recentes indicam que a média é 41 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Eleito em novembro de 2011, Pérez Molina agendou reuniões, em Cartagena, com os presidentes Juan Manuel Santos (Colômbia) e Sebastián Piñera (Chile), além do primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno.
CARTA CAPITAL
Gabriel Bonis
Cúpula das Américas discute regulamentação das drogas
Nos últimos anos, diversos ex-chefes de Estado da América Latina têm se manifestado em favor da descriminalização das drogas em um movimento que começa a ganhar apoio dos atuais líderes destes países. O exemplo mais recente a propor o fim da política de repressão é o presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina.
Em um artigo no diário britânico The Guardian, o guatemalteco defendeu abertamente a regulamentação das drogas, pois os mercados globais destas substâncias não podem ser erradicados.
Na 6ª Cúpula das Américas, com início neste sábado 14 em Cartagena, na Colômbia, Molina pretende fazer o mesmo e apresentar a proposta aos líderes da região. Segundo ele, a sociedade não acredita que o álcool ou o tabaco possam ser extinguidos, “mas de alguma forma supomos ser correto no caso das drogas.”
Uma explicação que, para Dartiu Xavier, psiquiatra e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), está relacionada com a visão maniqueísta de que apenas as drogas ilícitas são nocivas.
Para o médico, manter as drogas na ilegalidade equivale a entregar o controle aos traficantes, pois com a regulação do Estado – que difere da liberação total e indiscriminada dessas substâncias – seria possível valer-se de “uma serie de normas e procedimentos”. “Liberação geral é a dos traficantes, que detêm o controle. A normatização é discutir o assunto sobre a lei.”
Segundo dados da ONU de 2010, o tráfico de drogas é a linha mais lucrativa de negócios criminosos. A cocaína da região andina enviada à América do Norte e Europa gera mais de 70 bilhões de dólares por ano, e a heroína traficada do Afeganistão para a Europa ultrapassa os 30 bilhões. Os traficantes, com isso, ganham quase 280 milhões de dólares por dia.
Neste cenário, a preocupação com o tema também atinge os presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, Costa Rica, Laura Chinchilla, e México, Felipe Calderón. “Observa-se que as grandes personalidades a se posicionar neste sentido são de países latino-americanos. Chefes de Estado dos países centrais não se manifestaram, o que leva a conclusão de que esse modelo draconiano vitimiza muito mais os países periféricos e seus habitantes. Exemplo disto é a matança o México”, diz Jorge da Silva, doutor em Ciências Sociais e ex-chefe do Estado-Maior Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Segundo dados do governo, mais de 47 mil pessoas morreram devido ao narcotráfico naquele país desde 2006, quando Calderón assumiu o poder.
Assim como o presidente do México, Molina tem experiência na adoção de políticas repressivas. O mandatário guatemalteco foi ex-chefe dos serviços de inteligência do exército e um dos responsáveis por operações contra o tráfico. Ajudou a prender criminosos como o mexicano Joaquín “Chapo” Guzman, detido por oito anos em seu país até escapar de uma prisão de segurança máxima. Hoje, o criminoso aparece entre os 10 homens mais ricos do México, além de ser visto como uma das pessoas mais influentes do mundo pela revista americana Forbes.
Em seu artigo, Molina defende que nos últimos 20 anos o mundo lutou contra as drogas e não obteve resultados, pois o consumo destas substâncias aumentou, a produção evoluiu e o tráfico se espalhou. Por isso, seria necessário analisar o problema despido de visões ideológicas e perceber que “o consumo é um problema de saúde pública” transformado em criminal.
Uma visão punitiva, de acordo com Silva, inventada nos Estados Unidos na década de 30. “Ao fazer uma emenda constitucional pela proibição do álcool, o país criou o crime organizado no modelo atual”, afirma. “Depois eliminaram a medida porque esta criou grupos econômicos do setor e levou à corrupção de diversas autoridades.”
A lei seca americana, aponta Xavier, foi revogada, então, apenas pela criminalidade gerada, sem levar em consideração os impactos negativos da bebida na saúde dos norte-americanos. “Quando isso ocorreu, as pessoas não passaram a usar mais o álcool.”
Seguindo esse exemplo, Molina propõe que os Estados se concentrem em impedir o consumo de drogas da mesma forma como ocorre com o álcool e o tabaco, ou seja, por meio da regulamentação, como um problema de saúde pública.
“Os países não estão dispostos a agir assim, porque a linha proibicionista parte de uma premissa atraente: precisamos proteger a juventude. Mas é preciso regulamentar para proteger, porque o Estado tem controle. Hoje quem faz isso são os traficantes e mafiosos”, finaliza Silva.
GAZETA DO POVO
Cuba e debate sobre drogas devem 'apimentar' Cúpula das Américas
É pouco provável que os 33 países representados na sexta Cúpula das Américas promovam grandes mudanças em questões importantes do hemisfério
DEBATE SOBRE DROGAS
As discussões mais interessantes em Cartagena devem ser as relacionadas às drogas.
Há pedidos crescentes ao redor do mundo para a instituição de um novo olhar sobre como combater o comércio ilegal. Décadas de políticas linha-dura contra produtores e consumidores não conseguiram reduzir o abuso, a violência nem os lucros multibilionários dos criminosos.
Na América do Sul, alguns acreditam que a descriminalização da produção de coca - a matéria-prima da cocaína - reduziria o lucro dos traficantes e estimularia os agricultores a plantar outras coisas.
No Ocidente, o apoio é crescente para a regulamentação legal das drogas, em especial da maconha. Portugal, Suíça e Holanda reduziram o consumo de drogas ao experimentarem novas políticas.
Os líderes da América Latina estão cada vez mais abertos a debater o assunto e alguns poucos apoiam publicamente. Mas é improvável que haja consenso para a promoção de uma grande mudança, especialmente com a forte oposição dos EUA, acreditam analistas e diplomatas.
"A grande maioria dos países quer discutir a questão. O que pode acontecer é o início de um debate necessário", afirmou Santos na quarta-feira ao chegar a Cartagena para verificar os preparativos.
"A Colômbia tem sofrido há anos com esse flagelo. O crime organizado tem um poder ainda maior na América Central. Portanto, precisamos encarar o assunto de frente e começar um debate, apenas para ver se há uma alternativa melhor para atacá-lo."
Outra questão latente para os líderes nesse fim de semana será como lidar com o excesso de dinheiro proveniente dos países ricos, que inunda as economias cada vez mais fortes.
A presidente Dilma Rousseff usou o termo "tsunami monetário" e falou com Obama sobre a questão em Washington nesta semana.
Embora o fluxo monetário mostre a nova força da América Latina em um momento de turbulência econômica global, ele também valoriza as moedas, afetando a competitividade e levando alguns países a tomar medidas protecionistas a fim de reduzir as importações.
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