Pode-se
fazer arte para o comércio? Pode-se escrever para agradar ou ser compreendido?
Arte só existe como arte, nada mais. Quem escreve, escreve. É só. Tudo que se
preocupa com a receptividade do público comercial e ávido do nada torna-se
patético. Aliás, nada mais patético do que a natureza humana, com o perdão do
pleonasmo imperfeito.
É
necessário superar a si mesmo, ser capaz de ser inimigo de si, atacar sem falsa
compaixão ou receio. Totalidade na arte e na escrita é a vontade indizível e
indescritível de se saber decadente, incapaz, incompreendido, ser vivente do
caos absoluto e incoercível.
A
necessidade do comércio, do consumo e da compreensão nos retira a possibilidade
de colocar ordem no caos. O cumprimento de agendas contemporâneas nos impede a
discussão da ideia de totalidade, nos torna decadentes em um mundo de efeitos e
impactos, nos transforma em humanos vendidos e idólatras. Se tirarmos o efeito
do mundo, não sobra nada. Se tirarmos o trabalho de nossas vidas, não temos
nada. Sou um vazio completo em que a parte impede o todo, em que o mercado
impede a alma.
O
que faríamos com o tempo se o mundo conhecido acabasse? Como podemos superar a
nós mesmos se nossas partes impedem o todo, se nossos dias impedem a vida, se
nossa arte é feita sem tempo, se superar a si mesmo é incalculável?
O
objetivo secreto da alma é encontrar algo arrebatador, irresistível, que
transcenda tudo, que supere o tempo. No entanto, quando superamos o próprio
tempo, o medo do arrebatamento celeste nos conforma novamente ao mundo e à vida
que se cansa da dor.
A
ideia de totalidade ainda é impossível nesta época para nós. Gostaria muito de
nascer daqui a milhares de anos para provar o que deve ser aceitar a
possibilidade disso. A completude é aterrorizante, o que nos tira de nós muito
mais. A arte total nos cega, a vida completa nos faz morrer, o todo vencendo a
parte nos retira de nós, do que somos. Não estamos prontos para isso. Ninguém
está nesta época. Somos pathos – ou
somos “patos” - somos humanos, somos ridiculamente patéticos em nossa alma e
suas aspirações. Quando chegamos perto do tempo, desistimos da superação de si.
Ainda bem, eu acho. O mundo não aguentaria tanta força. Voltemos a escrever
para vender e ser compreendido.