Entrevista completa que o Delegado Rafael F. Vianna concedeu à Revista Malu, publicada em partes na edição nº 488, ano 13, em 03/11/2011.
1) O que um cidadão precisa saber sobre crimes para se prevenir?
É importante entendermos que existe uma ciência que estuda o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social da criminalidade. Esta ciência é a criminologia e ela realiza estudos empíricos que nos ajudam a entender o fenômeno criminal, tanto em um aspecto individual, para nos protegermos, quanto em um aspecto mais amplo, para pensarmos a segurança pública e a sociedade em que vivemos. Portanto, segurança pública não é intuição e boa vontade tão somente. A partir disto, podemos buscar diversas escolas, teorias e estudiosos que pesquisaram sobre o crime, sobre o porquê de eles ocorrerem e quais medidas podemos adotar para nos prevenir.
Antes de falarmos de medidas mais concretas, precisamos ainda entender que não podemos nos iludir que um dia vamos acabar com a criminalidade, mas ela pode estar sob controle, em níveis aceitáveis, o que não ocorre hoje. Da mesma forma, precisamos conseguir entender o fenômeno criminal e a complexidade da segurança pública, para não pensarmos que tudo o que é feito é inútil e que nada funciona.
A segurança pública compreende três grandes áreas, sendo elas: a primeira, a das questões fundamentais, estruturantes, que dizem respeito ao por que de alguém cometer um crime, usar drogas, ser violento. Estas questões são existenciais, mais filosóficas, mas temos que abordá-las se queremos realmente solucionar o problema da segurança pública. A segunda grande área trata da prevenção situacional, com atuação policial e diminuição das vulnerabilidades da vítima. É neste ponto que todos nós podemos auxiliar a segurança pública, com pequenas mudanças de comportamentos. Por fim, a terceira grande área trata das questões depois que um crime ocorreu, como a efetividade e a celeridade da punição e o melhor modelo para nosso sistema penitenciário.
2) Como se proteger de ladrões enquanto se está: - caminhando na rua, no carro (parado no semáforo ou chegando ao veículo estacionado), entrando em casa pela garagem ou pelo portão; saindo de bancos ou caixas eletrônicos, em outras situações menos corriqueiras (por exemplo, na praia ou em alguma loja)?
Existe uma área da criminologia, chamada criminologia ambiental, que estuda a prevenção situacional do crime, ou seja, como diminuir as vulnerabilidades de uma vítima em potencial e como retirar as condições propícias para que o crime ocorra. Esta teoria propõe como estratégia o endurecimento dos alvos e parte um pouco da compreensão de que a oportunidade faz o ladrão. É evidente que esta corrente criminológica não trata do fenômeno criminal de uma forma ampla e completa, pois, como visto anteriormente, atua tão somente na segunda grande área da segurança pública.
De qualquer forma, ela pode ser muito útil para que algumas mudanças de comportamentos sejam implementadas e as chances do crime ocorrer diminuam. Existindo muitas oportunidades para delinqüir, mesmo pessoas comuns acabam delinqüindo, enquanto criminosos motivados delinqüem muito mais. Assim, tornando-se um alvo mais difícil, mais duro, dificultando a atuação do criminoso, a tendência é que ele busque outro alvo mais fácil ou mesmo deixe de cometer o crime, pois quanto maior o custo e as dificuldades para delinqüir, menor será o interesse em se cometer o crime.
Ressalto mais uma vez que esta teoria não analisa os mais diversos aspectos da criminalidade, não podendo ser vista como uma solução para a segurança, principalmente porque ela não atua sobre a causa da criminalidade. No entanto, ela pode trazer algumas dicas e constatações muito úteis para nos protegermos.
No livro trago diversas dicas de como diminuir as vulnerabilidades e facilidades para a ocorrência criminosa, alertando o leitor que o objetivo não é ser alarmista ou fazer com que as pessoas vivam com medo, mas contribuir para a qualidade de vida de em nossa sociedade. Algumas dicas simples aproximam as pessoas e despertam a solidariedade.
De qualquer forma, a mais importante orientação para qualquer situação é estar atento, pois a principal vantagem do criminoso e o que faz ele abordar uma pessoa é o elemento surpresa. Quando o criminoso perde o elemento surpresa, com a simples constatação que você o viu, esta prestando atenção nas pessoas que estão por perto, está atento aos seus pertences, a tendência é que ele desista da atuação ou abordagem.
Por isso é importante não entrar distraído no carro, não ficar falando ao celular, não sair do banco contando dinheiro ou mexendo na bolsa, não ficar parado no sinaleiro com o vidro aberto e pensando na vida. O importante é estar ligado, se antecipar à abordagem criminosa, mudar de lado na rua quando achar que alguém esta lhe seguindo ou irá lhe abordar, ir para um local movimentado, olhar para as pessoas e demonstrar que você as percebeu, pois isto demonstra que você não será surpreendido, o que desestimula a abordagem. Depois que você foi abordado só se pode pensar em diminuir os danos, não existe mais reação possível.
3) Se uma dessas situações ocorrer, como a pessoa deve agir para evitar danos?
Em primeiro lugar é preciso aceitar que não existe reação possível diante de uma arma de fogo. Como falo no livro, mesmo casos raros de sucesso de algumas reações contam com grande parcela de sorte. Depois que a prevenção falhou deve-se pensar em minimizar os danos e isto inclui diminuir o tempo de permanência com o delinqüente. Neste momento o elemento surpresa está a favor do criminoso e você enfrentará sensações muito desagradáveis que dificultarão o seu raciocínio. Assim, é importante se concentrar na situação, respirar lenta e profundamente, colocar a língua no céu da boca e sentir a planta dos pés. Estas são algumas medidas que estudos sobre o controle do medo nos indicam para auxiliar nos efeitos da aceleração dos batimentos cardíacos e nos tremores que tomam conta do corpo. Estas atitudes farão com que você não tome nenhuma atitude desesperada, provocando alguma reação violenta do criminoso. Infelizmente, o que nos resta nesta situação é obedecer ao criminoso, não fazer movimentos bruscos e inesperados e diminuir o tempo de permanência com ele, o que ajuda futuramente na superação do trauma. É óbvio que estas dicas não são um manual de como se comportar em um crime, pois não podemos prever a mente de um criminoso e não gostaríamos que crimes ocorressem com tanta freqüência, mas nos antecipando a algumas situações e sabendo como nos comportar, podemos evitar danos mais graves. Mesmo em situações de normalidade social, em que a criminalidade esteja sob controle, crimes ocorrem e podemos um dia ser vítimas.
4) Que atitudes pode-se tomar para tornar uma casa mais segura?
Incentivo as pessoas a conhecerem seus vizinhos, conversarem sobre a rua, o bairro, as vulnerabilidade existentes. A aproximação entre vizinhos contribui para que todos se conheçam e percebam rapidamente qualquer anormalidade, acionando a polícia. Para evitar furtos, quando não existe violência, é importante que não exista qualquer apoio que possa auxiliar o delinqüente a ultrapassar o muro da sua residência, como lixeiras, escadas no quintal e buracos no próprio muro que podem servir de apoio. Pequenos detalhes podem fazer diferença. Não deixar objetos de valor à vista na garagem ou no quintal, colocar fechaduras extras, sistemas de alarme, também podem diminuir a incidência dos delitos de ocasião.
O assunto é diferente quando tratamos de quadrilhas especializadas em roubos de residência e apartamentos ou condomínios. Nestes casos, geralmente a quadrilha entra pela porta da frente, rendendo algum morador ou o porteiro. Assim, é importante que sempre que você estiver chegando em casa observe qualquer pessoa parada próxima ao portão ou situação anormal, antecipando-se a abordagem. Treinar porteiros para que não abram o portão para estranhos sem identificá-los antes, cadastrar funcionários que freqüentam o condomínio, blindar vidros de guaritas e da portaria de prédios, instalar câmeras de monitoramento e alarmes de pânico, para avisar a todos os moradores que não saiam de suas casas ou não cheguem ao condomínio, também podem contribuir para evitar este tipo de roubo.
5) Quais são os tipos de golpes mais comuns e como não cair neles?
Os golpes são diversos e os estelionatários têm uma capacidade quase infinita de criar novas situações e histórias para iludir as pessoas. No livro trago os golpes mais comuns e seus curiosos nomes, mas a principal forma de não ser uma vítima é aceitar que não existe uma forma milagrosa de ganhar dinheiro. Não há “negócio da china”, nem vantagem que só você irá ver. Os golpes geralmente iludem as pessoas e fazem com que a ganância ou a esperança de lucrar de forma rápida as transforme em vítimas.
6) Como conversar sobre violência com filhos pequenos, sem deixá-los assustados demais, mas também não os deixar à margem dessa questão? Como orientá-los para que consigam se proteger? E como abordar o assunto com filhos adolescentes, que acabam ficando mais expostos quando saem à noite em grupo e têm contato com álcool e drogas? Que situações as pessoas devem evitar ao máximo para se protegerem da violência?
Esta questão de conversas familiares sobre segurança enquadra-se principalmente na primeira grande área da segurança pública, pois devemos tratar de questões existenciais com nossos filhos para protegê-los da criminalidade, seja como vítimas ou autores de crimes.
A aproximação das famílias, dos pais com os filhos, é essencial para que se busque dar sentido à vida, ao existir neste mundo. Muitos adolescentes não vêem razão na vida, não sabem o que somos e o que devemos ou queremos ser, pensando que estão à deriva num oceano infinito. Estas são as questões de fundo, que se localizam na primeira grande área. Se nossos filhos não descobrirem sentido na vida, usar drogas e cometer crimes serão atitudes normais. Se a vida não tem um sentido último e o bem não vence no final, não há nada de anormal em se utilizar drogas e se delinqüir. Os valores que queremos como sociedade devem ser discutidos em casa, pois neste caso o Estado e a polícia pouco podem fazer. Cabe aos pais esta aproximação e esta discussão. Incentivo a todos que utilizem meu livro para iniciar a conversar e quebrar o gelo com os filhos, o que é muito difícil quando nunca se conversou sobre questões mais filosóficas. Mas digam que leram em um livro, em uma entrevista e iniciem as conversas.
Saber o que seu filho pensa sobre a vida, o que ele espera construir, quais são seus sonhos e quem são seus amigos, são formas de se contribuir para a segurança, tanto do seu filho como a de todos. Saber onde seu filho anda, com quais pessoas e o que irá fazer, contribuirá para que eles evitem as drogas, as más companhias ou uma gravidez precoce. Com o tempo os valores de solidariedade se fortalecerão e talvez uma nova sociedade comece a surgir. Enquanto as famílias estiverem afastadas, as pessoas não pensarem sobre a razão última das coisas e do mundo e a bondade for motivo de vergonha, não há muita esperança para a nossa segurança.
Entrevista excelente e consistente! Parabéns Dr. Rafael pelo trabalho!!
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