sábado, 6 de julho de 2013

NADA PIOR - por Rafael F. Vianna

Há algumas semanas estou tentando me convencer de que li corretamente uma notícia, que não foi apenas um sonho ruim, um erro ou uma brincadeira lançada na internet. Há algumas semanas estou carregando a angústia que uma coisa dessas pode causar em qualquer um que consiga parar e pensar sobre isso: um pai matou os três filhos pequenos porque não aguentava mais os ver passar fome. Depois esse pai tentou se matar, mas foi impedido por desconhecidos.
Não pode ser verdade uma notícia dessas! Ele matou os três filhos, enquanto os levava para a escola, porque os pequenos passavam fome e ele não aguentava mais ver isso. Por que será que ele não doou os filhos? Por que será que ele simplesmente não os abandonou? Por que será que as pessoas não deixaram ele se matar e acabar com tanto sofrimento? Por que ele não foi roubar? Será que pode existir miséria tão grande a ponto de um ser humano fazer isso?
Que orgulho, falta dele ou miséria podem fazer um pai escolher a morte ao invés da fome? Como podemos ir a restaurantes sabendo que pessoas não conseguem alimentar seus filhos? Como essas pessoas podem ter filhos? Parece que a miséria era extrema, parece que a dor e o sofrimento intermináveis, parece que essas pessoas não tinham mais nada.
Mas será possível alguém matar os próprios filhos para poupá-los da pobreza? Será essa sua real motivação? Será isso possível e justificável? Acho que não. Acho que esse pai não matou as crianças para livrá-las da fome, mas para livrar-se da humilhação e da dor. Acho que ele matou porque teve uma formação de caráter deturpada em razão da fome, das violências, das ausências. Acho que matou porque não pode aprender qual o valor da vida, porque não tinha mais forças para lutar a vida do submundo, porque não acreditava que seus filhos pudessem aguentar esta sobrevivência e só sobrevivência. Provavelmente matou porque não teve condições nutricionais suficientes para ter um cérebro que raciocinasse ou um coração que encontrasse um outro caminho. Matou porque a vida das crianças devia ser dura demais. O submundo tem outras regras, é outro mundo. Não conseguimos entender, ainda que minhas perguntas persistam.
Este pai não é inocente por certo, mas a verdade é que somos todos culpados, ainda que poucos sintam a culpa, sintam o fracasso que algo assim significa, a tragédia que transformamos a vida de alguns.
Poucos enxergam o que significa existir um pai que mata os filhos porque não aguenta mais ver suas crianças passarem fome. Poucos enxergam como falhamos como sociedade, Estado, segurança pública. Sinto um vazio dentro de mim quando leio isso, pois falhei por isso acontecer, falhamos por isso acontecer.
Se todos sentissem esse fracasso - ao invés de apenas apontar para um pobre coitado, condená-lo e achar que ele é o demônio consciente e encarnado - o mundo seria melhor. Mas na segurança pública o erro é sempre do outro; nunca nosso.
O pai confessou que foi vingança? Ficou provado que ele não matou em razão da miséria extrema em que vivia com as três pequenas vítimas, magrelas, desnutridas, de olhares inexistentes? Isso não muda nada. E ele não confessou dessa forma. A mãe não morava mais com eles e sozinho não tinha mais como mantê-los. Matou enquanto os levava à escola e os ouvia reclamar do estômago vazio e do incômodo que isso causava.
Não existe motivação para algo assim. Não é tão simples como "confessou que foi vingança". “Foi vingança” não esclarece a maldade humana, não explica como não conseguimos nos antecipar a ela, não explica como não percebemos, não explica como não olhamos, não explica como não conseguimos pensar em nada melhor do que isso.
Como nós que nos achamos mais inteligentes não conseguimos pensar em nada que possa mudar isso? Como podemos viver em um mundo deste e ainda nos divertir?
Temos que pensar em alguma coisa, pois a vingança não explica nada para mim. Uma pessoa dessas não tem nem condições de saber o que é vingança. Bom se tivesse sido vingança, bom se isso fosse explicável, bom se tivéssemos uma doença mental para justificar algo assim. Mas não temos! Se criamos um animal insensível e indiferente, perdemos para esse animal. Se criamos um homem orgulhoso demais para roubar, abandonar seus filhos ou os impor um sofrimento lento e profundo, perdemos para nós mesmos. Viver em uma sociedade onde isso ocorre é uma tragédia. O crime é mesmo a tragédia humana.

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