domingo, 6 de maio de 2012

Novo Código Penal Brasileiro

Juristas e congressistas estudam e discutem nos últimos meses sobre como deve ser o novo Código Penal Brasileiro. O objetivo é que toda a legislação penal seja reunida no novo código, trazendo lógica e sistematização ao direito penal brasileiro.
Trato em minhas palestras e aulas, assim como foi abordado em meu livro, sobre diversos aspectos da legislação penal e como o direito penal deveria ser pensado. 
Não podemos esperar que o direito penal e a polícia sejam educadores sociais. Aliás, não é desejável que eles cumpram este papel. Também não podemos esperar que através do Código Penal problemas sociais complexos sejam resolvidos, pois a lei penal não serve para isso. Por fim, não devemos nos iludir que penas mais graves fazem a segurança pública melhorar ou a polícia ser mais eficiente.
Para diminuir a impunidade devemos pensar quais variáveis a influenciam.
Deixo alguns textos publicados nos últimos meses para que todos tomem conhecimento da discussão que existe sobre o novo Código Penal Brasileiro e também reflitam. 

Editorial Folha de São Paulo - Opinião
18 de março de 2012
Novo Código Penal
Urge reformar a legislação criminal brasileira para restabelecer o princípio de proporcionalidade entre penas, crimes e valores
O Senado e a Câmara discutem atualmente, em comissões separadas, alterações profundas na legislação penal brasileira.
Na Câmara, debate-se uma reforma voltada a valorizar penas alternativas e a punir crimes violentos e corrupção. A direção está correta, mas, ao pôr de lado temas como aborto ou eutanásia, a comissão reforça a tendência preocupante de parlamentares a se omitirem em temas polêmicos.
No Senado, o autor do requerimento de criação da outra comissão, senador Pedro Taques (PDT-MT), afirma que o código atual, com 72 anos, já merece aposentadoria compulsória. A idade avançada não é o problema mais grave do diploma legal, e sim a colcha de retalhos em que se transformou.
Entre reformas expressivas -como a de 1984- e mudanças pontuais, 53 leis modificaram o Código Penal desde 1940. Mais de dois terços das alterações aconteceram depois da Constituição de 1988.
Foram promulgadas, ainda, diversas leis que criam crimes e estabelecem penas, mas sem alterar o código propriamente dito. Tudo somado, obtém-se um emaranhado obscuro de normas.
Um Código Penal sem coerência e clareza representa grave deficiência para a democracia. O direito criminal configura a possibilidade mais severa de interferência na vida do cidadão. Ali estão previstas as condutas que, praticadas, autorizam o Estado a privar a pessoa de sua liberdade.
O Código Penal existe para regrar essa interferência extrema e impedir que fique submetida apenas ao arbítrio dos agentes do Estado. Deve expressar a hierarquia de valores da sociedade e espelhar-se, sempre, na Constituição, fundamento do pacto político da nação.
Esse é o cerne do princípio da proporcionalidade. Uma conduta que atente contra um valor mais importante deve ensejar uma pena maior; um comportamento que afete valores menos expressivos deve resultar em penas mais baixas; e uma prática que não prejudique valor relevante para a sociedade não deve ser criminalizada.
A verdadeira barafunda jurídica em que se converteu a legislação penal claramente desrespeita o princípio da proporcionalidade.
A vida e a liberdade são os bens mais preciosos para o ser humano. Crimes como os de sequestro ou cárcere privado (pena de 1 a 3 anos de prisão) e homicídio (6 a 20 anos) deveriam figurar no ápice da hierarquia penal. Mas o código reserva penas exorbitantes a alguns crimes banais, como soltar balões (1 a 3 anos) ou molestar cetáceos de modo intencional (1 a 5 anos).
Outra falha de proporção ocorre com crimes tipificados em momentos de grande comoção popular, seguida de cenas explícitas de debate parlamentar oportunista.
Daí resultam situações esdrúxulas, como é o caso da falsificação de produto terapêutico. O delito foi codificado no calor de denúncias de adulteração de pílulas anticoncepcionais e contemplado com uma pena de 10 a 15 anos de prisão -que poderia ser aplicada até a quem falsificar um xampu anticaspa, por exemplo.
A onda de sequestros-relâmpago fez com que o Congresso aprovasse uma lei que atribui à lesão corporal durante um sequestro desse tipo pena maior que a de homicídio: 16 a 24 anos.
Certos crimes, por não serem praticados com violência, poderiam ter um tratamento menos severo, como o furto qualificado (pena hoje de até oito anos de prisão).
Caberia discutir a inclusão nessa categoria até da venda de pequena quantidade de drogas, que hoje não pode receber pena alternativa, só a de privação de liberdade.
Por outro lado, crimes que, mesmo cometidos por uma só pessoa, produzem danos profundos a toda a sociedade, recebem punições aquém do que parece razoável.
Abuso de poder e prevaricação têm pena prevista de três meses a um ano; submeter alguém a trabalho escravo, corrupção, peculato e tráfico de influência, pena mínima de dois anos; lavagem de dinheiro, três anos. E, diferentemente de países que já preveem penas altas para quem participa de organizações criminosas estruturadas (3 a 6 anos na Itália), o Brasil ainda usa a antiquada figura da quadrilha, com pena de 1 a 3 anos.
A desproporcionalidade generalizada compõe um direito penal desconectado dos valores constitucionais e produz uma situação desconcertante. Embora os cárceres estejam apinhados, e os governos admitam que não têm como criar vagas para tanta gente, o sentimento de impunidade que revolta a população só faz crescer.
Um Código Penal reformado à luz do princípio de proporcionalidade entres os delitos criaria uma base sólida para tornar a política criminal mais eficiente. As prisões não ficariam superlotadas com criminosos de pequena periculosidade e se destinariam àqueles que realmente violaram os valores mais preciosos da sociedade.

Editorial Folha de São Paulo - Opinião
21 de abril de 2012
Por JOHANNA NUBLAT e JÚLIA BORBA
Grupo propõe reconciliação para furtos pequenos
Proposta será incluída em projeto de Novo Código Penal em discussão
Ideia é que resolução negociada ocorra tanto durante inquérito policial quanto no processo judicial
O novo Código Penal pode permitir a negociação entre quem furtou um bem e a vítima, segundo texto aprovado ontem pela comissão de juristas que analisa a reforma da legislação no Senado.
De acordo com Juliana Belloque, defensora pública e integrante da comissão, essa conciliação, caso aprovada pelo Congresso Nacional, poderá ser feita durante a investigação policial ou já no processo, e permitirá que o bem seja devolvido ou o valor ressarcido, evitando a condenação do réu.
A redução da superlotação dos presídios e a compensação financeira da vítima, sem a necessidade de uma segunda ação judicial, são vantagens do modelo apontadas pelos juristas.
"É uma mudança de paradigma, antes o juiz era obrigado a aplicar a pena. Dados do Ministério da Justiça de 2011 mostram que 65 mil pessoas estavam presas por furto", afirmou Belloque.
Outra alteração foi o encolhimento da pena para o furto simples, quando não há violência ou grave ameaça, que passou de 1 a 4 anos para 6 meses a 3 anos.
Para o relator da reforma do Código Penal, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a diminuição da pena não vai contribuir para o aumento da quantidade de furtos.
"A lei penal não tem o objetivo de aumentar ou diminuir a criminalidade. Para isso, deve haver um conjunto de medidas por parte do governo, como educação".
As mudanças estão sendo discutidas por uma comissão de juristas, que deve entregar até o fim de maio um anteprojeto para votação do Senado.
Em seguida, as modificações serão apreciadas pela Câmara dos Deputados.
AUTORIDADE
Outro destaque aprovado ontem é o aumento significativo da pena para crime de abuso de autoridade. Atualmente, violações como submeter a população ao constrangimento ou prender sem justificativa estão sujeitas a punições de até 6 meses.
Com a mudança, a pena mínima passa a ser 2 anos. A máxima, 5 anos.
A oferta de álcool para menores, hoje vista como crime de menor potencial ofensivo, e por isso, pouco rigoroso quanto à pena, deve ser criminalizada, com pena de 1 a 2 anos. Não houve consenso sobre a permissão para que a família libere o consumo para adolescentes, portanto, não foi incluído no texto.
Além disso, o crime de tráfico de pessoas foi redefinido. Ele deixa de abranger apenas casos de exploração sexual é ampliado incluir também o tráfico de órgãos e trabalho escravo.

Site Terra
22 de abril de 2012 •
Por Mauricio Tonetto
STJ: 90% do País quer penas duras, mas Código Penal será técnico
Para acabar com a sensação de impunidade no País e fazer do Judiciário uma instituição confiável, 90% dos brasileiros que mandaram sugestões à comissão que elabora o novo Código Penal (CP) defendem que é preciso punir severamente os criminosos. A maioria das 2,5 mil ideias que chegaram à mesa do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, presidente da comissão, exige prisão perpétua, pena de morte, castração para estupradores, redução da maioridade penal para 10 anos e trabalho forçado aos presos. Mesmo entendendo os "anseios do povo", ele assegura ao Terra que o anteprojeto, que deve ser enviado ao Congresso em até dez dias, será técnico, equilibrado e sem excessos.
"Sabemos os anseios do povo e a sensação de insegurança que a sociedade vive. Claro que a comissão sempre examina e lê as sugestões, mas nós temos aqui um trabalho técnico, que não pode ser dissociado da realidade. Esperamos entregar um projeto razoável, bem feito, equilibrado", adiantou o ministro. Conforme ele, crimes graves devem ser punidos com mais rigor, enquanto os de menor importância serão retirados.
"Crimes violentos, contra a vida, saúde e liberdade e aqueles que tragam grande lesividade social terão um tratamento firme. Outros, como o jogo do bicho, hoje contravenção penal, também serão incluídos no Código Penal, pois com eles há uma série de outros ilícitos", afirmou Dipp. A comissão de reforma do CP foi instalada em novembro de 2011 no Senado. Após a elaboração do anteprojeto pelos juristas, uma outra comissão, de parlamentares, será designada pela Casa, e então o projeto pode se tornar lei.
Terrorismo, eutanásia e aborto
De acordo com Dipp, os ministros estão preparados para as reações aos pontos polêmicos do novo Código Penal, como o aborto e a eutanásia. "Estamos sugerindo a ampliação da possibilidade de aborto e pedindo a liberação da eutanásia, hoje proibida. Já os crimes de terrorismo e de internet - muito complexos -, seguirão tendências internacionais", salientou ele.
Pelo texto, o aborto seria legal até a 12ª semana, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade, e também inclui o aborto em caso de anencefalia ou quando houver anomalias que podem causar a dependência da pessoa. No caso da eutanásia, ela poderá ser praticada com o consentimento de parentes, seguido da liberação de um juiz.
O advogado criminalista Roberto Podval, que defendeu o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, condenados por matarem a menina Isabella Nardoni em 2008, espera que as diferenças ideológicas do Congresso não estraguem a coerência do trabalho jurídico. "O Congresso não é necessariamente técnico, e muitas vezes a modificação pontual de artigos quebra a coerência da própria legislação. O melhor seria, respeitando ideologias, que o Congresso acate as sugestões trazidas pelos técnicos com menos rupturas possíveis", afirmou.
"A coerência não está necessariamente nos anseios sociais. Nós, enquanto sociedade, queremos até uma certa vingança, mas não é por aí, devemos ser técnicos", completou o advogado.
OAB está ao lado dos juristas
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz entender a "posição da sociedade e a indignação", mas sustenta que não se deve perder "o equilíbrio e fazer uma legislação que não vá resolver o problema".
"Se lei acabasse com impunidade, nós certamente não teríamos um caso de corrupção no País. A grande questão não é a proliferação ou endurecimento de penas, como a morte e castração química, que a Ordem não concorda, mas a compatibilidade da legislação com nossos dias atuais", defendeu.
Ophir diz que é preciso, além de um novo Código Penal, a reforma do Judiciário. "Temos que buscar mecanismos para dar efetividade à lei, e nisso está a reestruturação do Judiciário. Não será uma lei penal que reduzirá o crime no Brasil", concluiu.
Código Penal tem 70 anos
O Código Penal vigente no País foi criado pelo decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo. Ele só entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1942 (artigo 361).
A substituição foi tentada em outubro de 1969, durante a ditadura militar, mas as críticas foram tão grandes que o Código acabou modificado em dezembro de 1973. Apesar de vários adiamentos para o começo de sua vigência, ele acabou revogado em outubro de 1978 e permanece o mesmo da época de Getúlio Vargas.

Um comentário:

  1. "Quanto maior for o número dos que compreenderem e tiverem entre as mãos o sagrado código das leis, menos freqüentes serão os delitos, pois não há duvida de que a ignorância e a incerteza das penas propiciam a eloqüência das paixões."

    "A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará, sempre, impressão mais forte do que o vago temor de terrível suplicio, em torno do qual se oferece a esperança da impunidade." (CESARE BECCARIA, séc. XVIII).

    Precisamos de educação e eliminação de privilégios. Não há igualdade em uma sociedade enquanto houverprivilegios.

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